quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Phillipe, o aristocrático




As verdades estão aí é para serem contadas, é o que eu sempre digo quando alguém me pergunta o que eu acho sobre as verdades desse mundo. E não vai ser eu, homem talhado pelo facão de Nosso Senhor, que na pureza das minhas intenções vou macular esse digno quadrante da internet com uma coisa que esteja em desarmonia com a realidade dos fatos. Mas dessa vez, pela gravidade do que se assunta, me vejo eu na obrigação de chamar à roda um amigo de ilibada reputação, homem sensato, filósofo prosaísta e dono de bar muito bem freqüentado pela jocosa elite pensante aqui do recôncavo serrano, o denodado Tio Amado, que os senhores – e senhoras, o prazer é todo nosso – sabem que não me deixaria puxar para a mentiragem.
Pois bem, a verdade é que por essas bandas da serra andava sofrendo muito bicho. Já ouço um ignorante cochilando: “lugar que tem muito bicho sofre muito bicho”. Sofre sim digo eu, mas sofre de sofrimento sofrido, de causas naturais e coisas tais, mas por aqui meu tapadinho, a bicharada tava sofrendo era de ataque malfazejo, e não era dessas sofreduras de chumbinho não, era coisa do cão, obra do beiçudo, do malino, coisa feia mesmo de se ver, pois eu que sou eu, que nesses matagões já dei muita bolacha em cara de onça, até hoje quando me lembro das vistas que vimos me sobe uns frios pelo espinhaço que quase me faz parar de recontar essa história. Mas, como certa feita me revelou Tio Amado na sua infinita sapiência: “Jacks, Deus, quando faz a gente ver, quer mais é que a gente espalhe”. Já que saber alheio não se despreza, vou contar o que vimos, o que vimos e o que fizemos, mesmo que desautorizado pelos demais amigos. Porém, meus prezados prosadores, Jailsons, Júniors, Eleotério, Hugo, Artur....a verdade é minha paixão, desculpem este escravo da veracidade que só faz contá-la.
Essa de estar sofrendo muito bicho de maneira meio que das mais inexplicáveis ficamos sabendo num desses iluminados fins de semana que passamos no paradisíaco recôncavo serrano, coisa de quatro, cinco semanas atrás. Estávamos lá, lascando nosso churrasquinho, quando para nossa felicidade aparece o sempre bem vindo e festejado vizinho Ambrósio, apresentava-se como de praxe, camisa fúcsia (hêhê), sapatos carvoentos, uma digna bermuda de tempos idos e um olhar que deixava escapar umas chispas de preocupação, coisa que, bons observadores que somos, tiramos de letra e já fomos para a inicial. Pode falar aí, desembucha Ambrósio, se abanque e come um pedaço de carne que sempre faz bem para o tutano. Nunca viesse aqui para partilhar um churrasquinho e agora chega assim, com essa cara de quem viu assombração; fala homem, que foi?
 - Ambrósio: Seus home, tem coisa estranha no meio desse mato, tem vaquinha minha que de manhã eu encontro quase morta. Pescoço assim todo rasgado, o que faz isso não é bicho pequeno não, é coisa de muita força.
- Jailson: Puma. Puma que desceu a geral por conta da construção daquelas usinas de energia eólica.
- Jailson Jr.: Jacks, me passa o garrafão de vinho ali fazendo o favor.
- Hugo: Oh, que coisa, a gente vai ficar aqui até quando?
- Artur: Parece as mesmas coisas que o chupa-cabra fazia, vocês lembram?
- Jailson Jr.: Artur, vai lá dentro de casa e busca a coca-cola para o pai fazer um sambinha caprichado.
- Eleotério: Olha, pelo que eu sei tem um leão solto aqui nas encostas da serra.
- Ambrósio: Leão? Será?
- Jailson: É puma rapaz. Leão nem tem mais por aqui. Tinha. Lembra Ambrósio? (sorriso maroto), tinha uns perdidos por aí, tadinhos (sorriso mais maroto ainda).
- Ambrósio: Oh, se tinha, mas tu né Jailson!
- Jacks: Júnior, me alcança esse sambinha aí.
- Jailson: Vamos dar umas voltas nesses matos aí, se encontrarmos qualquer coisa, pau, era uma vez qualquer coisa. Espingarda o Ambrósio tem em casa, coragem a gente tem aqui, pronto, resolvido (Não estaria resolvido se ele resolvesse olhar a cara de desânimo dos circundantes, menos a do Ambrósio)
 Papinho meia boca que só agradou mesmo foi o Ambrósio que viu ali a chance de salvar o seu rebanho e já saiu de carreirinha para buscar sua winchester que sabe-se lá Deus a última vez que tinha cuspido fogo.
 A noite já tinha caído e o churrasco já estava espumando, pedindo para ser degustado. Porém, não podíamos nos furtar a dar uma voltinha ali por perto para acalmar os olhos de nosso querido vizinho, afinal, se tinha churrasco, era por conta do carvão que ele tinha ofertado. Uma espingarda, só, era pouco, qualquer coisa ali era pouco, por que a coragem também era pouca, e devíamos era ter deixado os dois irem sozinhos só para ver, Jailson e Ambrósio atrás de alguma coisa que nem sabiam o que era. Mas amigos-irmãos que somos, nunca faríamos uma coisa dessas e fomos nos armar também! Corremos para dentro de casa e fomos catando qualquer coisa que pudesse machucar algo que se mexesse sem avisar. Na falta de bons instrumentos para um possível desenvolvimento da violência, cada um foi se virando como pode. O Hugo se agarrou num martelo que sei lá onde ele conseguiu dentro daquela casa, o Jacks pegou um pau de macarrão na esperança de nada encontrar nessa bendita ronda noturna, o Júnior catou a faca que estávamos usando no churrasco, o Eleotério só fez dar um sorrizinho, subiu a camisa dois dedos e puxou de um suporte todo em couro, preso a cinta, um canivete com dezoito funções, o Artur estava olhando o churrasco, displicente do que lhe acontecia no entorno. O Júnior, sempre um pai prestimoso, olhou para a faca que já estava em suas mãos, olhou para o filho desprovido de espírito aventuroso e disse: “Você vai junto comigo, sozinho, aqui, você não pode ficar, e desarmado não te deixo ir de jeito nenhum”! Olhou para a faca novamente, deu uns cinco passos e arrancou um crucifixo que estava preso a parede da casa. Ó, leva esse crucifixo... 
Ambrósio voltou, em fúcsia (hêhê) e esbaforido, com a winchester numa das mãos e três cartuchos na outra, nem pensou, já foi logo entregando nas calibradas mãos do Jailson a arma e os cartuchos, não sem antes ouvir do próprio ex-xerife: “Para quê tanta munição Ambrósio, é só um puma”. Deixa eu mudar de parágrafo aqui já que vamos partir para a caçada...
Lá fomos nós... tá certo, a gente assume que de saída já nos achávamos meio trincados pelo vinho, pisávamos meio leve naquele mato sem cachorro, sem cachorro mas com certeza com algum bicho de uma ferocidade muito pior que a de qualquer cachorro e "muito além da imaginação" como gostavam de dizer o Carl Sagan e a Scharleine sete libras... espingarda, canivete, martelo, faca, crucifixo e medo... e põe mais um medo nessa frase que é para ela não deixar de expressar a verdade! Fomos, pé ante pé, silenciosos, verdadeiros mariners do recôncavo, uma infantaria serrana sem igual... e fomos, e anda, e anda, e anda... e nada, e nada, e nada, nem um tatuzinho para correr e fazer barulho e tomar uma traulitada no meio do casco... porém, a desistência é um vício dos fracos, e como jogamos no time dos fortes, meus amigos, do homo-brutus, fomos chamados de baluartes... noite adentro, mato adentro... o cansaço foi chegando, o sono, e a verdade que um Ambrósio dispnéico resolveu nos contar também chegou... pediu para que parássemos um pouquinho a caminhada e disse como quem ronrona: “Olha, que nesse mato tem um bicho muito do ruim tem, isso é certo, eu sei... mas é que não foi assim tanta vítima como eu tinha dito... era mais umas vaquinhas, duas para ser exato... e não foi assim o pescoço todo estraçalhado, era mais assim, como se diz, uns cortes feios, sabem, umas marcas de pancada, de mordida de bicho que eu nunca vi igual”... falou isso e nos olhou como quem pede desculpas, puxou do bolso daquela boa camisa umas fotos das coitadinhas quando foram encontradas, tão machucadinhas que eu, particularmente, nunca tinha visto coisa parecida... mas entendam vocês a situação do amigo vizinho, o homem tem três vaquinhas, se duas já tinham sofrido ataques, mais um e era o fim do rei do leite na serra furada... já que segundo ele, além do pescoço, o bicho chegava quase a arrancar os mamillaess-vaccum de seus bichinhos outrora tão produtivos e saudáveis...
Querendo dar um ponto final nessa porcariada toda de bicho ficar atacando animal de amigo nosso, resolvemos não descansar até acabar com a raça do coisa ruim. E lá ficamos de plantonistas, na moita, esperando pôr um fim naquela campanha antes do Sol aparecer. Era o quê? Não passava de umas cinco horas da manhã quando começamos a ouvir o que poderia ser mais um dos ferozes ataques... primeiro, uns mugidinhos meigos, uns barulhinhos de mato se amassando devagar e mais mugidos e mais matos se amassando... não deu outra, partimos para a cena daquilo que poderia vir a ser um crime brutal... como ainda fazia noite, o Jailson velho não pensou duas vezes, tascou-lhe uma carga de chumbo na retaguarda do bicho que por sobre a vaca fazia uns movimentozinhos estranhos que dava até um desgosto de se ver. O bicho alvejado saiu nuns pinotes que nem vimos para onde foi ou se foi-se, mas a vaquinha havia sido salva, certo, restava um pouco machucada, porém salva, machucada aqui e ali, nos transmitia uma tristeza e uma incerta desaprovação de nossa impávida atitude, para deixar bem claro aos distintos que nos acompanharam até aqui, o monstro chumbado não era nem um monstro, nem um puma, não era um leão, não era nem um chupa-cabra nem nada... era um diabo de boi, só mais um  boi, mais especificamente era o boi Phillipe, o boi de ar aristocrático pertencente ao também querido vizinho e Vice-Prefeito Estevão... meus amigos, para onde caminha a mãe natureza...? O bendito Phillipe de uns tempos para cá andou de adotar hábitos de um sadismo ainda desconhecido da fauna serrana, e as benditas vacas entraram de aprovar aquele descaramento todo e deixando de lado os outros bois que apenas buscavam a permanência da sua espécie por sobre a terra, as vaquinhas só queriam saber de Phillipe e suas sádicas habilidades copulativas, a promiscuidade de Phillipe e suas vaquinhas sem o saber desafiaram Darwin e sua teoria, a permanência do mais apto tinha sido vencida pela permanência do mais rapto (no sentido figurado, se é que sacaram)
As vacas, todos os cortes e mordidas no pescoço, os indeléveis machucados mamilares... tudo explicado, tudo se fazia claro... olhamos para o nosso querido Ambrósio e ele estava pela primeira vez apresentando na pelagem uma cor mais fúcsia que sua camisa por saber que suas vaquinhas eram de um masoquismo e de uma libertinagem muito maior do que a dele quando jovem... agora sabíamos de tudo, sabíamos que na serra não há pumas, que não há leões, que não há chupa-cabras... a liberdade sexual enfim havia chego ao mundo animal... disso sabíamos também... só não sabíamos o que falar para o pobre compadre Estevão quando ele nos perguntasse sobre o traseiro chumbado que quase levou deste mundo o seu querido Phillipe, o boi aristocrático, e agora, também, sádico....



sexta-feira, 29 de julho de 2011

Charamango

     O bom aqui da serra além do aprazível clima invernal é esse espírito de maternidade, é esse jeito comunitário de viver, esse sentimento de cordialidade, amabilidade, enfim, de solidariedade humana. E não foi sem esses sentimentos que passamos mais um final de semana aqui no gracioso recôncavo da Serra Furada.
      No sábado pela manhã já estávamos lá, fortes, bonitos, preparados – como de praxe – para enfrentar as mais difíceis e inusitadas situações que um ambiente isolado da urbanidade pode ofertar aos cavalheiros do urbano mundo. Todos já chegaram devidamente paramentados, o Júnior, mano velho, já chegou pisando de vulcabrás para mostrar que tinha incorporado o espírito local. O Eleotério apresentou-se meio malemolente, botina de motociclista toda em couro, impermeável e coisa e tal, pisando fino, sempre foi assim, numa dessas viajadas que costuma dar, esqueceu-se que não tinha moto e comprou a bota; hoje a utiliza para dirigir o seu carro e dirigir-se à serra. Eu me apresentei em calça de brim e all star, porque sou macho e não seria aquele ambientezinho meio inóspito que iria me tirar o espírito casual street que sempre adotei. O Artur chegou de abrigo de nylon e chinelinho rider (dando férias para os seus pés), e já foi logo sendo avisado pelo mano Júnior que estava frio, coisa que seu corpo de menino impúbere já tinha tomado conhecimento posto que apresentava uma cor meio puxada para o arroxeado.
      Todos paramentados a seu bel prazer e prudentemente embarracados (a casa ainda não apresentava condições dignas de moradia), fomos à gula. Um tira um saco de pão, outro começa a descarregar as cervejotas, um terceiro aparece com um garrafãozinho de vinho (que, segundo ele, esquenta a alma uma barbaridade) e o nosso querido Eleotério já se ventilou como sendo o nosso churrasqueiro oficial, o que foi parcialmente aceito, estávamos em quatro e eu fui voto vencido. Sendo assim, o churrasco já por conta do dito cujo, sentamos os demais em semi-círculo para facilitar o estiramento dos inebriantes fermentados.
      Quem conhece serra também deve conhecer o popular ventinho serrano, que por vezes pode atrapalhar algumas manobras inerentes a um bom churrasco, qual seja, a feitura do fogo. Mas, estávamos lá, bebendo e proseando e acreditando que o implacável churrasqueiro e sua caixa de fiatlux com cinqüenta palitos seriam mais que o suficiente para a produção de um foguinho que nos proporcionaria um digno jantar a base de carne e pão e vinho; triste engano... já tínhamos notado que por várias vezes Eleotério pronunciava alguma coisa e variava um palito ainda fumaçeando para o alto, mas, conhecendo-o como o conhecemos nem nos preocupamos, afinal, ele é um homem criado forte, serrano de Anitápolis, um caboclo. Até que, nos olhou com uma cara de insuficiência e disse num tom meio que desolado: pessoal, hei, olha, acabou o fósforo e essa porcaria de fogo não acendeu e não quero nem saber. Mas para quê dizer isso, foi só falar que o nosso Artur já apresentou nos lábios aquele típico sorrisinho que somente nos débeis faz florescer, sorriu e já foi desencaixotando cultura: Deixa comigo, vi no youtube dia desses um jeito de fazer fogo que é pá pum, tiro e queda... só preciso aí de dois gravetos e um pouco de palha seca. Tudo arranjado, palha sequinha, duas varas de madeira e lá foi ele fazer fogo e lá fomos nós ficar de fogo... volta e meia olhávamos para ver se estava tudo bem com o nosso recém descoberto Macgyver... passa-se tempo, passa-se muito vinho e algumas cervejas e um iluminado já prevê: nós vamos é ficar prontos antes do churrasco. O Artur, coitado, tão geladinho com aquela roupa, soprava, soprava e esfregava aquelas varetas e nem uma fumacinha de esperança saía do seu jeito youtube de fazer fogueira. Estávamos perdidos... perdidos, bêbados e com fome.
      Mas, lembram-se vocês o que falamos sobre a alma aqui da Serra Furada (ou temos algum leitor débil mental?), a cordialidade, a amabilidade e principalmente a solidariedade! Pois bem, lá estávamos nós, a noite já havia descido sobre o céu, o vinho já havia descido pela nossa garganta e o desânimo já começava a descer sobre nossas cabeças.
      Porém, assim, do nada meus amigos, a solidariedade serrana apiedou-se daqueles quatro corpos inertes e frágeis. Primeiro foi um barulho estranho que ouvimos, como se algum animal tivesse tombado no meio dos galhos secos que faziam a entrada do sítio, depois uma voz meio apipocada pôde ser ouvida, baixinha, baixinha mas resmungada, como se reclamasse de alguma coisa... depois avistamos uma mancha rosácea surgindo por detrás dos galhos. Ah, Deus, era o nosso bom amigo e vizinho Ambrósio que veio em nosso socorro depois de observar por toda tarde “vocês se matando pra faze um foguinho, há há” disse ele, não me agüentei e disse para a mulher: “Mulher, vai dormir que eu vou lá fazer um fogo para aqueles pongós”. Era sábado à noite, descabidou a roupa de domingo e veio... aproveitou a deixa da vinda e deu umas beiçadinhas no nosso vinho e na cerveja, depois, chamou a todos os quatro, e falando baixinho, disse: “com esse vento, nesse frio, eu até posso fazer fogo, mas vou ter que fazer na base do charamango”. Sem sabermos nada de charamangos e chamando barata de baconzitos nem ligamos, faz o fogo no chão pelo amor de Deus e vamos botar essa carne para assar. Ambrósio nos olhou, olhou para a sua casa de luz já apagada, disparou um sorriso que nos deixou um pouco apreensivos e disse: “vamos lá negada, me passa esse garrafão senão não vai rolar o charamango!” Fez alí um vinho em metro que deu gosto de ver, fácil fácil meteu para dentro uns bons dois litros de nosso demi-sec... pegou quatro gravetos, fincou cada um de maneira a formar um quadrado meio torto e disse para que cada um ficasse posicionado de frente a um dos gravetos, diligentes, lá fomos nós cada um para o seu graveto... Ambrósio também pediu que batêssemos os pés como em marcha rítmica... ainda deu o exemplo: tum, tum tum... tum, tum tum... e lá fomos nós, tum, tum tum, tum, tum tum... Ambrósio posicionou-se no meio do quadrado torto e começou a falar umas abobrinhas olhando para a terra e para o céu... meninos, esse homem começou a girar e falar mais e mais e a girar mais e mais rápido até que rapaz... deu um calhau de um estouro e uma labareda de fogo levantou-se que nós que estávamos no tum, tum tum ao lado dos gravetos acordamos segundos depois a uns três metros do fogo formado, e que fogo meus amiguinhos... forte, robusto, inapagável! Mas deu o quê? Uns dez segundos e de dentro daquele fogo infernal pula quêm? O Ambrósio meninos, vivinho vivinho... tá certo que apresentava-se um pouco diferente, estava só de sapato e de cinta, as únicas coisas não inflamáveis que vestia na hora do charamango... mas vivo... lá estava o verdadeiro nativo, o conhecedor da mãe natureza, mão na cabeça enfumaçada, desnudo, trajando apenas um par de sapatos e uma cinta de couro... por nós dedicou o seu tempo, por nós dedicou sua roupa de domingo, por nós dedicou o sono de sua mulher... agradecemos por tudo sem saber ao certo o que falar, como falar, o que dizer... Ambrósio somente sorriu e disse que não era nada, que Deus havia ensinado que devemos ajudar os mais necessitados, e se foi sem dizer mais nada... de sapato e cinta para a escuridão do recôncavo serrano... nos entreolhamos ainda assustados, como só fazem aqueles que presenciam algo sobrenatural... mas a fome era grande e logo parecíamos ter esquecido toda aquela epifania pagã e fomos preparar a carne para botar no fogo que ardia alto no meio da noite sem estrelas... o Júnior, mano velho, já sem pensar direito gritou: traz o vinho que eu preciso de um gole, e rápido! Procurei, tentei achar, mas sem sucesso. Olhamos por tudo, e nada. Olhamos por volta da velha casa, poderia ter sido lançado pela explosão a um dos cantos ou coisa do tipo... nada nada e nada... até que o nosso brioso Artur avistou uma espectral mancha branca indo-se pela estrada e levando consigo algo que nos pareceu ser um garrafão de vinho... era ele, o xamã, o rei do fogo, Ambrósio... caminhava como veio ao mundo, mas de cinta e sapatos de couro, consagrando o nosso demi-sec a cada gole que ia dando pela estrada... de longe ainda o abençoamos, como de longe, abençoamos a todos vocês... 

terça-feira, 26 de julho de 2011

De um álbum de sonhos...



 É curioso, eu não a conheço...

            O leitor – ou leitora, sempre prezada – não acreditará totalmente, piamente, se eu lhes disser e lhes contar as coisas que tenho para dizer. E por isto, afastado e prezado leitor, tudo que lhes contar do que me aconteceu, por mais que capriche na escolha das palavras, por mais que tente sensificar o que de si já é chocante, será só mais uma história contada, e pior, a história contada de um outro... se você for um dos onívoros prosadores que se reúnem no recôncavo serrano aos finais de semana para dar uma chance a Deus, não dirá que estou mentindo, mas dirá, por amizade, que estou poetizando.
            Nada diria se esse fato tivesse ocorrido aqui, na cidade amiga de Armazém, mas, o fato é que tudo se deu enquanto eu estava sob o efeito dos gozosos ares do recôncavo da serra furada, lugar de mistérios indeléveis e histórias que enchem de inibição os menos iniciados.
          Por isso, amigos, ofereço-lhes de bom grado esta gorda face aos tabefes daqueles que não acreditarem no relato que seguirá, relato que será contado por este que dedilha com dificuldades lembrando do acontecido naquela noite, tão certa, tão boa, tão ébria...
            Tudo se deu na madrugada do dia vinte e três para o dia vinte e quatro, foi sim... foi bem no meio dessa gloriosa noite onde amigos-irmãos fincaram vigília esperando para ver mais uma vez os dedos do Sol pintarem toda essa terra abençoada. Foi no meio dessa noite que eu acordei sonhando com uma moça... está certo, eu havia bebido algumas coisinhas, um monte de coisinhas, acordei esfregando os olhos como quem tenta sumir com a fanfarra que, sempre festiva, embagulhava meu pobre e dolorido crânio. Mesmo com todo o desterro cerebral, eu não tinha como negar que a podia ver nitidamente, ali, na minha frente, na graça de seus vinte e poucos anos.
            Era uma linda moça de cabelos castanhos – presos, se não me engano, por uma fita laranja – nariz reto, correto, os olhos de uma água lisa, pura, um riso largo, de lábios grossos que pareciam refletir a luz saída do fogão a lenha, riso engraçado e justo...
            Depois, sem mais, pareceu-me que lançou o olhar por sobre toda uma vida, fez um instante de seriedade, a beleza encarando a vida sem medo, com dignidade.
            Assim como quem espera, caminhou devagar até a janela mais próxima, parecia estar ouvindo música quando parou para olhar os campos e montanhas que pintados de Lua faziam uma bonita noite; virou-se para dentro da casa e viu esse moço a lhe observar sem nada entender, e com uma lágrima mostrou a ele o pouco, o nada que ele sabe das coisas da vida, e mostrou com um sorriso que compreendia daquele moço o jeito dele de amar - sério, quieto, devagar.
            Se pudesse eu lhe traria maçãs-do-amor e pitangas bem doces, seus olhos brilhariam de prazer. Eu lhe ensinaria a ouvir o riacho que corre descendo a serra e passa cantando rente as amoreiras, afinal, dessas coisas eu sei, também lhe ensinaria que apesar dessa nossa mata luxuriante ainda existem sim bichos tristes, o tatu, a cutia, o tateto... e as nuvens, mostraria que as nuvens fazem belos desenhos quando da viração dos ventos... mas deixem para lá essas coisas que já não poderei mais fazer.
            Só peço, prezada moça que durante esse sonho me sorriu, brincou e me ensinou... que onde você estiver, por favor... não fique com pena desse moço que nunca a teve.

P.S. Amigos prosadores, perdoem este que apenas fez beber demais.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Quem somos nós...

      Quem somos nós? Ah, perguntinha malvada; Sempre exige de quem responde um conhecimento que o sujeito vai levar linhas e linhas para descobrir que nada sabe sobre ele próprio e muito menos sobre esses outros que formam o nós dessa perguntinha cafajeste.
      Mas, o jeito é se mexer e sentar o dedilhado por sobre o tecladinho místico na tentativa de extrair dele algumas verdades de nossa bonomia. Já que paradinho paradinho não dá para ficar, afinal de contas, quem, além da Mona Lisa, ganhou alguma coisa ficando nessa de bancar a estatueta, e convenhamos, essa tal La Gioconda, sei não, aquele sorrisinho malemolente, uh, me desculpem os insinceros, só logrou êxito por ser bem mais puxada para Lisa do que para Mona.
      Primeiramente, segundamente e terceiramente, gostaríamos de dizer que somos absolutamente caras-de-pau; talvez por sermos brasileiros, tropicais, talvez até por termos recebido durante a infância muitas porradas na alma e na psique-puerilidade, tá ou não está na cara... por isso, o que tivermos para falar falaremos na sua frente, ou melhor, falaremos na sua tela, sem amenizar os bits da linguagem. Também não podemos negar que somos sujeitos honestos, valorosos, que somos atiradores de primorosa pontaria, que, enfim, somos homens à moda antiga, e se alguém de vocês aí se der ao trabalho de sair pelas esquinas a perguntar sobre nós, facilmente descobrirá que somos pessoas até bastante queridas pela comunidade aqui do recôncavo serrano.
      Por sermos pessoas de palavra e por ainda dignificarmos o outrora tão valioso fio do bigode, tendo levado nesta vida uma ilibada fé nos dez mandamentos (salvo o décimo, que achamos, entrou meio que de gaiato na história), vamos aqui expor nossos nomes de pia, vamos colocá-los quase todos, desculpem, em ordem analfabética, já que não estamos aqui para perder tempo com essas picuinhas de um ordeirismo que poucas vezes levaram a alguma coisa boa. Quem não gostar da desordem nominal, pode ir para o blog do Sr. Houaiss, que lá sim, lá é tudo alfabeticamente em ordem e poeticamente inodoro.
      As pessoas são as seguintes: Jailson Adeilson May, Hugo May Squizatto, Artur Rech May, Jacks da Silva May, Jailson Adeilson May Júnior, Seu Ambrósio, Tio Amado, Dona Dois Dentes, Nego, Ana Marta Henrique, Eleotério Volpato Júnior, Joyce May, Luana May Squizatto, Valdete da Silva May, Garci Bernardes, Estevão Guizoni, Gabi, Júlia do Júnior, Fernanda da Júlia e muitos e muitos outros que nas próximas postagens vão ser devidamente, ambientalmente e cronologicamente citados; não foram aqui listados por serem menos importantes ou menos briosos que os não poupados aí de cima,  nada disso, passam longe da verdade aqueles que assim pensam tão maculadamente de nossa hombridade. São pessoas, essas, cujos nomes não foram expostos, tão maravilhosas quanto nós... nós, essas flores da humildade e do capricho (embora as não citadas sejam um pouco mais reservadas)... perdoem essa turma de amigos que aqui deitam-se para pedir sincera piedade ao leitor impaciente, é que, bebericar  um Fidel Castro (Cuba Libre) de cachaça com pepsi em vidro de conserva  de palmito dá um branquinho na psique borboleta que vou te contar meus chapinhas.... porém, o mais importante disso tudo, é que dentro dessa galera toda, não se acha nenhum canalha, não é legal!